terça-feira, 24 de setembro de 2013

lugar íntimo

Eu me permito sentir as coisas como eu quero. Crio cores e tons de cores, dores e tons de dores. As vezes, tardes chuvosas causam isso em mim. Reatam uma certa nostalgia inexplicada, algo que entra e fica sem eu nem mesmo perceber.
Eu gosto.
Permito até certo ponto que tudo fique como está. Acho que assim as coisas ficam mais leves.
Aí, em dados momentos, eu percebo que isso é uma espécie de realidade paralela que eu crio para me isolar de mim mesmo. Moro num espaço à parte dentro de mim, e ali, me encontro no meu melhor.
Eu me permito as vezes ser eu mesmo, pra não perder a identidade que eu sou. E acredite, eu gosto de mim.
A chuva fina após uma tarde quente, o cheiro de chão molhado, o vento meio vapor meio brisa, tem uma característica única. O som das gotas caindo, são uma melodia incapaz de se escrever. São como codificadas sinfonias escritas em uma partitura secreta, para ouvidos selecionados.
Eu sei ouvir a chuva. Em sua magestosa tempestade, em sua singela garoa.
E ela se me aparece como sendo de fato uma sinfonia, onde em momentos exatos os trovões, e o vento, e a luz falhando nas lâmpadas nunca notadas. Tudo isso são elementos da minha aflição educada e disfarçada. Eu percebo e valorizo tudo isso, agora e sempre foi assim.
Doando materiais para contrução de um lugar íntimo e secreto que eu tenho e guardo em mim.
Eu me permito sentir as coisas como eu quero, e tenho necessidade de mim.
A chave para esse lugar são os meus sentidos. Quando quero me transpor, simplesmente me ligo a eles. E vivo cada toque, cada passo, cada som, cada imagem, cada pensamento, que quando são alinhados, me colocam no meu lugar íntimo.
Na maioria das vezes uma boa música me transporta involuntariamente. E como é bom ser surpreendido com tal viajem. É como as vezes que  se pega um livro, e dele cai uma foto, uma anotação e que você viaja imediatamente ao lugar, à pessoa, ou ao assunto em questão e num breve momento você volta.
Para esse ‘’flash’’ de viajem, eu não tenho um nome, nem sei definir, mas sei que é mais real que eu possa imaginar. Acontece as vezes com cheiros também...

Por isso eu me permito sentir as coisas como eu quero. Para sempre ter um refúgio comigo, onde eu estiver. E aos que nunca entenderão, eu tenho pena, como para aqueles que achavam verdadeiramente que a Terra era plana, limitando-a sem imaginar as grandezas e as suas maravilhas.


By Pablo Bento

quarta-feira, 3 de julho de 2013

a gruta

         Existe um medo. Um grande medo em meu peito que dói, corrói, e me cansa. Um medo que habita em  mim. Não é causado, é inato, congênito. Um medo que mora em alguma gruta no meu corpo, e percorre o submundo do meu organismo uma hora aqui e outra ali, o tempo todo se movendo. Ora, eu digo isso por sentir medo. Não tenho explicação, não tenho exames clínicos que o comprovem. Afinal, esse medo mora numa gruta, não é tão fácil achá-lo...
Esse medo, trás consigo uma dor. Não uma dor comum, daquelas que se cura com enormes comprimidos! Não! É uma dor que deve ser sentida. É quase somática, surreal, talvez! Mas que deve ser sentida. Só vai embora quando o medo também vai, mas esse último nunca sai do meu peito. Quanto mais o tempo passa, mais funda a gruta, mais forte o medo, mais intensa a dor.
À esse processo, uns o dizem depressão. Outros, loucura. Eu, medo, apenas medo.
Tenho medo.
Cheguei a um ponto que não tenho vergonha de assumir. E o fato de não buscar ajuda é que eu tenho medo.
Queria poder vencê-lo mas ele já parte de mim, de inseguranças de épocas passadas, de frustrações que não soube resolver, de chatices que nunca aprendi a evitar, de decepções, angústias, tristezas...
Hoje eu tenho medo. Já não sei viver sem esse medo.
Ele me escravizou, e as vezes ele é quem pensa por mim. Vive por mim.
Eu exteriorizo o medo.
Além de funda a gruta agora tende a se expandir. talvez por isso temos a expressão: Depressão.
Porque é de fato um grande buraco.
Ele me cansa. Me exauri.
Mas ainda há vida inteligente dentro de mim, e por isso vou vivendo. Embora tremendo.
Tremendo de medo do escuro que vem do fundo da gruta.
Daquela gruta imensa que hoje sou eu...
E eu grito: - Ahhhhh! Ahhhhhhhh! Ahhhhhhhhhhhhhh!
E o eco, vive livre e solto no escuro e largo e profundo espaço que a gruta se tornou e me tornou.
Quero ser o eco e deixar de ter medo.
Eu sou o eco de minhas ações.



By Pablo Bento

quarta-feira, 12 de junho de 2013

fé...

                A insistência das rosas em florir, mesmo que em breves dias suas pétalas cairão, a ousadia do sol em se avermelhar e dar tchau no crepúsculo mais belo, a esperteza do riacho em desviar de obstáculos sem reclamar, apenas seguir, a paciência da montanha de permanecer imóvel enquanto exploramos tudo à sua volta, a sutileza dos passos do gato, o equilíbrio da aranha trapezista, as cores das aves, o cheiro das flores, o bailar das altas e robustas árvores ao ‘’som’’ do mais leve vento, a persistência das ondas do mar em beijar a areia da praia, a força das rochas, o bom gosto dos beija flores, o ‘’flutuar’’ dos peixes n’água, a beleza invisível do som das mais simples canções, o sincronismo dos astros no céu,  a certeza das estações do ano, o carinho da chuva, o cheiro da terra, a imensidão dos oceanos, o eco nas cavernas, o incerto rastro da fumaça se erguendo ao céu, a perfeição dos fios do bicho da seda, o aconchegante ninho no topo das árvores, o boiar dos patos no lago, o balé dos cardumes, o sustentar-se das mangas nas mangueiras, o nada exigir em troca do nosso planeta, é a prova que o Criador se mostra pelas suas obras, dando o tempo todo a certeza de sua presença.


By Pablo Bento

segunda-feira, 18 de junho de 2012

meio, amei-o

          Como será viver sem chão?
Como poderá ser, esquecer quem é?
Andar sem saber pra onde vai, ou de onde se vem...
Comer sem saborear, sentir sem saber o que, ou ver sem se ter a cores?
Por que se permitir sofrer, por nós ou pelos outros... ou por coisas?
Como se pode evitar a vida. evitar viver ou parar o tempo?
As vezes ela chora, e se pergunta tanta coisa! Acha que o amor acabou, e o mundo perdeu seu valor.
Não entende que tudo que acontece tem seu por que e porquês... 
Ela, como muitas e muitos não sabem que o amor é mais, que amar não tem nada a ver com sofrer.
Ela sentia tanto sua presença que as vezes olhava duas vezes para o mesmo lugar, para confirmar sua ausência.
Sentia tanto que ele ia ligar que sempre que ia sair voltava atrás... na esperança de quê mesmo? Não sabia!
Como será viver pela metade, esquecendo que todo um planeta está aí pra se conhecer.
Bilhões de pessoas afim de conhecer bilhões de pessoas.
Lugares pra ir, flores para se cheirar, pássaros pra se ver voar.
Há tanto mar pra se molhar e ondas pra ''quebrar'' que não há porque sofrer...
Como será que se pode evitar a morte? 
Ah... a morte... O problema é a morte!
Não dê tanto valor para morte, a morte não é o contrário da vida!
O contrário de morrer é nascer... a vida não tem contrários... a vida é e é!
Não se apegue a sofrer e nem a viver por sofrer...
Viva ligado a quem vive, e viva mais!
( ele morreu )
Embora não precise esquecê-lo... mas não sofrer...
Apenas sinta!
E só.



By Pablo Bento

sábado, 2 de junho de 2012

bromélias, lírios e outras flores


As flores do cactus me fascinam.
São talvez os mais exuberantes exemplares da Criação Divina. 
Isso porque, ao contrário de nós, seres humanos, os cactus não escondem sua natureza espinhenta e nem a esplendorosa... e claro, só se machuca num cactus se fores até ele, e com uma certa força o tocares, do contrário, nem por um minuto os afetarão.
Outra coisa extraordinária no danado do cactus é a forma como ele é independente de nós.
Uma coisa que dói o ego, mas é verdade.
Nem de água ele depende tanto como nós gostaríamos.
Porque lá no jardim tem a rosa, toda imponente e com seu caule espinhoso e poderia causar a mesma fascinação, mas não regue a rosa não pra você ver... a beleza despenca!
O cactus não!
Ele guarda sua própria água e não a reparte com ninguém, não por ser egoísta, mas porque conquistas veem de vitórias e não se dão... são méritos!
As flores do cactus são estonteantes por não terem o adorável odor dos lírios e ainda assim serem a coroa do mesmo! Ele não precisa do odor dos lírios.
O cactus se impõe.
Tem o grande, o médio e o pequeno.
Tem o verde e o colorido.
Com espinhos grandes e pequenos e não têm folhas... São maravilhosos até no exercício diário da fotossíntese.
Não se arrancam as flores dele como fazem com as margaridas.
Não o pisoteiam como fazem com os beijos nos jardins, nem se deitam neles como nas gramíneas...
Há quem os comam, pois muitos são comestíveis e até nutritivos, diferentes das bromélias.
Há quem os dê de presente a alguém, preferindo-os às tulipas.
Não se assustem ao verem noivas casando-se com buquês de cactus, ou no dia dos namorados...
Acho inspirador comparar cactus...
Acho elegante ser comparado com um...



By Pablo Bento


segunda-feira, 16 de abril de 2012

incompatibilidade


Outubro, foi o mês que ela saiu de casa.
Não costumo esquecer datas, mas sinceramente não me lembro bem o dia... sei lá, parece um bloqueio. Pelo menos foi o que minha amiga psicóloga disse!
O cheiro do café, no fim da tarde é o que eu mais sinto falta.
Ainda assim, liguei para ela, tentar reatar, mas no fundo sempre quis que ela não atendesse o telefone, e como parece que isso foi algo pensado por ela também, ela de fato nunca o atendia.
Não tínhamos muitos amigos em comum.
Não tínhamos muitas coisas em comum, essa era a verdade.
Explicar porque durou tanto tempo é algo impossível pra mim, mas lembro o quanto era bom poder discutir finais de filmes com ela, isso era a única coisa em comum aliás... não lembro outra coisa. As vezes eu discordava dela em alguns pontos de vista só pra vê-la irritada, sua cara de nervosa causava em mim muita alegria, mas como ela se irritava de verdade, não era bom repetir sempre e nem demorar muito nesse bate boca.
Agora entendo o porque de tantos casais, voltarem às boas um com os outros, a primavera é uma estação muito triste para ficar só! E fazer café pra uma pessoa só é muito, muito sem graça.



By Pablo Bento

quarta-feira, 11 de abril de 2012

secretos pensamentos


Penso nas milhões de palavras soltas ao vento sem nunca serem ouvidas. Sequer apreciadas.
Pra onde vão? Onde será que elas chegam? A quem afetam? Farão diferença?
Penso nos secretos pensamentos dos rostos desconhecidos que passam por mim. De quem riem? De quem são seus devaneios?
Penso nas muitas olhadas rápidas, despistadas, imperceptíveis, mas tão reais e desejadas, nessa ou naquela moça, naquele rapaz!
Penso nas muitas músicas tocadas neste momento no mundo inteiro e desejo por vezes saber que som produziriam se pudesse ouví-las ao mesmo tempo, como uma orquestra...
Penso nas muitas lágrimas que escorrem nas faces, de alegria e de dor, de amor ou não, e quantas seriam necessárias para se fazer um rio.
Quantos ''adeus'', seriam precisos para destruir um coração?
Penso na solidão, e o que ela pode dizer à um insensível ser humano.
Penso na dor do amor, da perda, da dúvida.
Penso nos abraços falsos, mas que realmente afagam.
Penso nos muitos braços aconchegantes, nos corpos quentes, nas falas doces, nos sussurros obscenos...
Penso no que poderia ter sido.
Penso no perdão.
Penso nos perdidos.
Penso nos esquecidos, nos deixados, abandonados, largados...
Penso nos encontrões nas calçadas, que envolvem os distraídos e de pouca visão.
Penso nos encontrados objetos.
Penso em quem perde alguém.
Penso na vida do menino pobre, aqui e mais além.
Penso nas hipóteses, nos hipócritas.
Penso estar em Bali.
Penso ver Paris.
Penso ser um rei.
Penso no piano.
Penso na alma que pensa nos outros.
Penso na borboleta, resultado da mudança, das cores, da sutileza, da forma.
Penso no jabuti, sinônimo de vida, dureza, lentidão.
Penso nas estrelas, habitadas ou não, claras ou não, lindas ou... lindas.
Penso no pai desolado.
Penso no cão.
Penso na floresta desvastada pelos cifrões.
Penso na mexerica, no damasco.
Penso nos ágeis pés do tango bem ensaiado, no rubro vestido da bela moça, na rosa bem apanhada na boca do moço.
Penso nos mariachis mexicanos, bem afinados, cantando tristes melodias como os fados portugueses.
Penso na alergia a leite.
Penso na brasa que assa, aquece, brilha.
Penso no feio, e o que ele pode ser além de referência.
Penso no nada e como pode ser tanto.
Penso na colheita de tudo que plantamos.
Penso no filósofo.
Penso no otimista e seu festeiro sorriso.
Penso no tagarela.
Penso na pedra e na sua força.
Penso no átomo e suas mil faces.
penso no Deus autor, no deus carrasco, no deus dos deuses.
Penso no mar, molhado, salgado ou no mar de gente, doces seres.
Penso na humanidade e na beleza de ser humano.
Penso no violino.
...
Penso, logo existo.




By Pablo Bento